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CS - Jefferson, são poucos os lugares do mundo que produzem icewine. Este vinho tem características do seu terroir (e quais são) ? e quais são os achados comuns a todos os icewine?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - O que caracteriza o terroir de elaboração primeiramente é o clima frio, com verões curtos e com outonos frios; o segundo fator importante é o manejo e o controle do homem nos vinhedos, visando garantir que as uvas maduras possam ficar sadias e longe dos pássaros até as primeiras geadas fortes. é importante lembrarmos que uma simples nevasca não basta para atingirmos a temperatura ideal de colheita, porque a neve cai com temperaturas entre 0 e -2 C e precisaremos no mínimo uma geada forte com temperatura inferior a -6 C para que efetivamente ocorra o congelamento parcial da água no interior das bagas das uvas.
CS - Que tipo de expectativa você tem percebido no mercado de vinhos nacional e internacional com relação à primeira tiragem um icewine no Brasil?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - O produto despertou grande curiosidade tanto aqui no Brasil, mas principalmente no exterior. O Site da Fisar na Itália recebeu mais de 20.000 acessos na notícia. Ninguém imaginava que aqui no Brasil seria possível elaborar um produto como esse.
CS - Que fases da produção do primeiro icewine brasileiro mais lhe agradaram e mais lhe preocuparam?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - A fase de prensagem e separação do gelo juntamente com as cascas e sementes foi a fase que mais me agradou pois nunca tinha elaborado Icewine e foi incrível constatar que a pressão exercida pela prensa pneumática compacta e aglutina as moléculas de água congeladas e forma dentro de cada baga de uva uma espécie de granizo. A fase que mais me preocupou foi a que antecedeu a colheita, pois se não tivéssemos conseguido temperaturas inferior a -6 C e as uvas não tivessem congelado não teríamos conseguido elaborar o Icewine. Foram três tentativas frustradas onde a temperatura baixou até -3 mas veio nevoeiro e a temperatura subiu para +2 e tivemos que abortar a colheita.
CS - Você recebeu notícias, consultas ou propostas sobre a produção de outros icewines no Brasil?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - Sim. Recebi informações de técnicos que trabalham na Áustria, Tirol Italiano e Portugal, que passaram as informações referentes a dados técnicos e especificações durante todas as fases de elaboração. Degustamos alguns produtos e analisamos no Enolab, para termos uma referência técnica e analítica.
CS - Qual a sua opinião sobre o mercado para o icewine no Brasil, seja ele nacional ou não.
JEFFERSON SANCINETO NUNES - Por ser um produto raro e que é produzido em pequena escala no mundo, e por conseqüência o preço é um fator limitante a popularização do consumo, será um mercado altamente elitizado, semelhante ao atual mercado do sautern, Passitos, Vin Santo.
CS - Os Icewines caracterizam-se por serem vinhos fortificados/licorosos. De que forma isto ocorre já que as uvas são colhidas parcialmente congeladas, ou seja, durante a prensagem não deveria ocorrer uma acúmulo maior de água (pela quantidade de água congelada nos grãos) desta forma diluindo o mosto? Qual a razão de o mosto ficar ainda mais concentrado que um vinho normal?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - O icewine não é um vinho fortificado, já que não se adiciona álcool como é o caso do vinho do Porto, mas no caso do icewine o álcool é originado da fermentação dos açúcares próprios das uvas. Na verdade a grande maioria dos Icewines produzidos no Canadá, são classificados simplesmente como vinhos doces, porque tem uma graduação alcoólica inferior a 15% (percentual mínimo para que um vinho possa ser rotulado como "vinho licoroso") e tem quantidades variáveis de açúcar residual (entre 90 e 200 g/l) A concentração dos açúcares que se observa na elaboração do icewine realmente é muito curiosa e interessante. O que acontece é que as moléculas de água no interior das bagas das uvas, quando a temperatura da uva fica entre -6 e -11 C, começam a formar minúsculos cristais de gelo. Com a compressão originado pela prensa pneumática esses pequenos cristais de gelo se aglutinam e aumentam de tamanho. Dessa forma, parte da água contida nas uvas literalmente se transformam em granizos. Como a temperatura no interior da prensa fica muito baixa (entre -5 e -6 C), esse granizo não descongela e portanto fica retido juntamente com a casca e com as sementes das uvas. Dessa forma, o mosto tem a sua quantidade de açúcares aumentada.
CS - Como você analisaria a relação oferta/demanda, no Brasil, para este vinho,tendo em vista seu custo "digamos" elevado?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - A oferta desse tipo de vinho é muito baixa. O Canadá que é o maior produtor de Icewine, produz uma quantidade que é insuficiente para atender a demanda mundial. Por esse motivo o preço é alto. No caso específico da Pericó, foram colhidas 3400 kg de uvas e apenas 695 litros de vinho foram elaborados (o rendimento é muito baixo porque boa parte do peso das uvas é de água!!!) Nossa intensão é de envasar o produdo em lindas garrafas italianas de 250 mL, portanto conseguiremos produzir apenas 2780 garrafas...
CS - Quando estará pronta para ser degustada esta primeira safra produzida no Brasil?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - O vinho será engarrafado no próximo inverno e será lançado às 10h 10 min 10s do dia 10/10/10
CS - A(s) uva(s) utilizada(s) para a produção no Brasil é(são) a(s) mesma(s) dos paises tradicionais produtores como Canadá, Alemanha e outros. E qual(ais) é(são) ela(s)?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - Não. Usamos o Cabernet sauvignon porque era a variedade de ciclo mais tardio que temos atualmente plantada na Pericó. A Variedade de uva mais utilizada para a elaboração do Icewine é a Vidal.
CS - Há um período mínimo de baixa temperatura, necessária para o congelamento das uvas nas videiras? Se há, quantos dias, em média?E após a colheita das uvas como se processam os novos congelamentos?Eles são feitos com as uvas ainda não processadas ou já com o mosto?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - Não existe nenhum tempo mínimo determinado. Na verdade o que é necessário controlar é que as moléculas de água estejam parcialmente congeladas. Na prática é necessário comprimir algumas bagas, cortálas posteriormente ao meio e verificar se a compressão fez com que as moléculas congeladas se aglutinam em forma de um granizo. Na verdade as uvas são colhidas congeladas e devem ser prensadas ainda congeladas. O congelamento tem que ser exclusivamente feito ainda nos vinhedos e pelo frio intenso e natural para que o produto seja um Icewine. Apenas a uva naturalmente congelada e prensada ainda congelada poderá ser denominado Icewine.
CS - Há produção de vinhos de sobremesa brancos e tintos também?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - Os vinhos Icewine são brancos e rosados. As uvas tintas, em virtude da casca ser eliminada na fase de prensagem, a coloração é sempre rose.
CS - E no quesito harmonização, quais serão as características organolépticas dos pratos a serem combinados ?
JEFFERSON SANCINETO NUNES - O Icewine é um vinho licoroso (doce) e com um ótima nota ácida. Em virtude disso, a regra de harmonização é por concordância, ou seja é um vinho que harmoniza com doces. Fizemos uma harmonização recentemente com chocolates com teor de cacau superior a 60% com resultados interessantes quando o percentual de cacau é mais alto. Ainda não tive oportunidade de fazer uma harmonização extremamente cara: Icewine e Foie grass, mas acredito que deveria ficar muito interessante.